
Doença matou mais de 715 mil pessoas e deixou outras milhares com sequelas. Só em duas cidades do interior de São Paulo, Araçatuba e Rio Preto, no noroeste paulista, foram mais de 200 mil casos e quase 5 mil mortes. Cidade adotou lei para barrar os ‘sommeliers’ de vacina. Após cinco anos do decreto da pandemia de Covid, comércios de Rio Preto e Bauru (SP) mantêm protocolos de segurança
Desirèe Assis/g1
A Covid-19 trouxe mudanças significativas para diversos setores. Leis e hábitos, em especial no comércio, surgiram para o enfrentamento desta que foi uma das piores crises sanitárias do mundo.
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No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarava a pandemia de Covid-19. Passados cinco anos, a doença matou mais de 715 mil brasileiros e deixou outras milhares com sequelas.
Hoje, o cenário é outro. Mas o impacto ainda é sentido em muitos setores, em especial no comércio, que herdou protocolos adotados durante o período de alta da doença. Além das vidas perdidas, bares, restaurantes e farmácias continuam a adotar medidas de precaução contra a doença e os protocolos de segurança são lembrados diariamente.
Mapa letalidade Covid-19 em SP
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Medidas emergenciais
O treinamento contínuo da equipe dos estabelecimentos, o uso de álcool em gel, o aumento da periodicidade da limpeza para proteger tanto os clientes quanto os trabalhadores dos restaurantes e bares, e o drive-thru de produtos foram ações reforçadas durante a pandemia e que seguem até hoje.
O g1 relembra esse período marcante em uma série de reportagens sobre o reflexo da pandemia no interior de SP publicada a partir de segunda-feira (10).
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Carros dentro de shopping, música no portão e hospitais improvisados foram medidas adotadas no interior de SP
Duas cidades do interior de SP, Araçatuba e São José do Rio Preto, no noroeste paulista, registraram uma série de dados preocupantes relacionados à Covid-19 entre os anos de 2020 e 2025. Os números apresentados são do Ministério da Saúde e das respectivas prefeituras, e foram acessados pela reportagem na quarta-feira (5).
Entre os anos de 2020 e 2025, dados do Ministério da Saúde mostram que Araçatuba e São José do Rio Preto (SP) registraram mortes e casos relacionadas à Covid-19
Arte/g1
Só nas duas cidades, foram registrados 219,6 mil casos e 4,3 mil mortes no período (veja mais abaixo).
Mesmo com o avanço da vacinação e a diminuição de casos graves, muitos comércios continuaram a adotar medidas de precaução para garantir a segurança dos clientes e colaboradores.
Máscara e álcool: restaurante segue com medidas protetivas contra Covid em Rio Preto
No bairro Vila Diniz, em Rio Preto, um restaurante se destaca pelos hambúrgueres criativos e apetitosos. Apesar de o sabor dos pratos ser o mesmo, o “novo normal”, com cardápios digitais, distância entre as mesas e a constante vigilância contra o vírus transformaram o ambiente.
Mesmo após o controle da pandemia, o estabelecimento segue com medidas preventivas no manuseio dos alimentos e utensílios, além de disponibilizar álcool em gel aos clientes.
João Pedro Faria Palhares e a esposa, Fabricia Nascimento Silva, começaram a vender os lanches na garagem de casa em Ibirá (SP)
Reprodução
A hamburgueria começou na garagem da casa de João Pedro Palhares e da esposa, Fabrícia Nascimento, durante a pandemia, em 2020. A ideia de abrir o negócio foi uma sugestão dos amigos, que sempre elogiavam as habilidades culinárias deles.
No começo, João Pedro e Fabrícia comemoravam as pequenas vendas. Para impulsionar o estabelecimento, a estratégia adotada foi profissionalizar o restaurante com um cardápio customizado e espaços temáticos, como uma casa na árvore, no interior da lanchonete.
Antes, João Pedro trabalhava em uma rede de venda de cosméticos que faliu devido à crise sanitária. Já a esposa dele atuava com engenharia civil.
Higienização das mãos na cozinha do BB Onça em Rio Preto (SP)
Desirèe Assis/g1
O sucesso das vendas na garagem dos pais de Fabrícia, em Ibirá (SP), foi tão grande que o casal teve de locar um espaço maior para acomodar os clientes. Ali nasceu o BB Onça, nome inspirado na própria esposa, que, desde criança, é chamada de “onça” pelos familiares.
Ao g1, o proprietário contou que, hoje, mesmo após o fim da pandemia, ainda adota o cardápio digital, além do cardápio físico, que é feito em um material lavável para tornar fácil a higienização com álcool 70%.
“Quando veio a pandemia, nós tivemos que redobrar a atenção. A pandemia trouxe detalhes da higienização que às vezes não eram usados antes. E isso foi bom, porque perdurou depois”, comenta o proprietário.
Cardápio físico do restaurante BB Onça em Rio Preto (SP)
Desirèe Assis/g1
A nutricionista do restaurante, Gabriely Simão, contou à reportagem que os trabalhos de limpeza e orientação aos funcionários se intensificaram no auge da pandemia.
Segundo ela, a limpeza dos ambientes é feita com frequência, com especial atenção às superfícies de alto contato, como maçanetas, cardápios e mesas. Para Gabriely, a insistência nas práticas de higiene reflete o compromisso com a saúde pública e a experiência do cliente.
Nutricionista do restaurante, Gabriely Simão, em Rio Preto (SP)
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“A gente preza muito pela qualidade, segue rigorosamente todos os processos. Inclusive, aumentou a quantidade de faxinas grossas durante a semana, nas quais a gente faz a limpeza mais profunda de paredes, bancadas, ralos, fogões, coifas, para manter a qualidade”, comenta Gabriely.
O supervisor de atendimento, Gilberto Alves, constantemente orienta os funcionários quanto ao uso de luvas e máscaras, se necessário, além de toucas durante a circulação no salão onde ficam os clientes.
Estação de condimentos e montagem dos lanches na cozinha do BB Onça em Rio Preto (SP)
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De acordo com ele, a prática de higiene é uma demanda não só dos supervisores, mas também dos clientes, que se tornaram mais exigentes em relação à segurança dos restaurantes, mesmo com a diminuição das restrições pelo coronavírus.
Por dentro de um bar
Bar adapta processos de higienização na pandemia e mantém costumes em Rio Preto
Um bar que foi criado há sete anos em Rio Preto resistiu aos anos mais rigorosos da pandemia. O local é totalmente temático, com futebol e cultura latino-americana, tanto no cardápio quanto no visual do ambiente.
Flávio Miranda, dono do estabelecimento, relatou os desafios enfrentados. Ele conta que precisou adaptar alguns processos de higienização durante o período e manteve alguns costumes mesmo após a liberação do comércio.
Interior do La Cancha, bar de Rio Preto (SP) que tem como tema o futebol e a cultura latino-americana
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“De começo, pratos, copos, tudo era de forma descartável. Mas, antes da pandemia, a gente já tinha uma preocupação muito grande em relação à higiene. A pandemia trouxe uma exigência muito maior em relação a isso, e acabou que incorporamos no nosso dia a dia. Ainda mantemos o álcool em gel em alguns pontos do bar”, exemplifica.
Além disso, Flávio orienta os funcionários do local a limparem os balcões e as mesas com álcool 70%, prática que, antes da pandemia, era feita apenas com um pano úmido.
Aviso de copos descartáveis e cardápio físico na parede do bar La Cancha em Rio Preto (SP)
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Sobre o cardápio digital, por meio de QR Code, o dono conta que foi algo que o estabelecimento incorporou, mesmo após o fim das restrições. “Facilitou na questão de custo para uma eventual mudança e fica mais fácil, é mais prático, mas ainda temos clientes que preferem o físico”, conta o dono.
A chefe de cozinha do estabelecimento, Marília Gabriela Porto, de 22 anos, começou a trabalhar no bar em 2021, quando a pandemia já completava dois anos. Por isso, se acostumou com a atenção aos detalhes com relação à higiene.
“A gente procurou redobrar os cuidados com higiene, desinfecção de alimentos, de quem entrava na cozinha e também transitava entre os ambientes. Mas esses cuidados nós mantemos até hoje, porque é algo que não dá para abrir mão”, enfatiza.
Chefe de cozinha do La Cancha fazendo um dos processos de higienização das mãos na cozinha
Desirèe Assis/g1
Cardápio físico é lei?
Em Rio Preto, o então prefeito Edinho Araújo (MDB) sancionou, em 2023, a lei que obriga bares, restaurantes e hotéis a oferecerem cardápio físico.
No projeto, o comércio deve disponibilizar o cardápio impresso na parte externa, de modo que o consumidor possa ver os itens e preços. A opção digital também pode ser oferecida, conforme a necessidade do cliente.
Embora esteja em vigor há dois anos, o Executivo informou ao g1 que a lei não foi regulamentada. Nesse caso, a fiscalização não foi implementada. À época, o Procon realizou ações educativas e de orientação desde a sanção.
Conforme o município, o projeto de lei foi proposto para garantir acessibilidade a todos os consumidores, especialmente idosos e pessoas com dificuldades no uso de meios digitais, permitindo que tenham a opção de escolher entre o cardápio físico e o digital.
A lei prevê multa em caso de descumprimento. O empresário que não se adequar deverá pagar uma infração de R$ 3 mil por dia – equivalente a 40 Unidades Fiscais Municipais – até o cumprimento da lei.
Sistema que perdurou
Em Bauru (SP), uma rede de farmácias que já existia no estilo drive-thru antes da pandemia desenvolveu um modelo de atendimento que perdurou e inspirou outras empresas.
Farmácia de Bauru (SP) que tem atendimento para os clientes no modelo drive-thru
Arquivo pessoal
Élcio Schilder, de 46 anos, é gerente regional da Rede Catedral e conta que foi durante o isolamento social que o local passou a ser procurado pelos moradores. Segundo ele, a maioria das pessoas se sentia mais protegida por não ter contato físico com outros clientes.
“A pessoa se sentia mais segura de estar ali, sendo atendida no drive, porque ela não tinha que entrar na loja e ter contato com os balconistas e também ter acesso a um ambiente possivelmente contaminado”, explica.
Farmácia em Bauru (SP) realiza todo o atendimento e também a entrega do pedido sem que o cliente precise sair do carro
Arquivo pessoal
Mesmo após o fim do período de restrições, a loja manteve o atendimento em drive-thru, pensando no perfil de pessoa que busca rapidez e comodidade.
“É uma mãe que vai ao médico com o filho e não quer tirar a criança do carro para entrar na loja, ou um parente idoso, ou até mesmo uma pessoa que acabou de passar por uma consulta”, conta.
Entrada do drive-thru da farmácia em Bauru (SP)
Arquivo pessoal
Na contramão do modelo drive-thru, a loja física ainda não se popularizou entre os bauruenses, mesmo após o fim da pandemia.
“Tem um público que não conhece a loja por dentro, que só conhece o drive-thru, e algumas pessoas têm receio de contrair alguma doença”, conta.
Uso de máscara: hábito que virou rotina
A faxineira Maria Preceda Ramos, de 67 anos, conta que manteve muitos dos hábitos adquiridos ao longo do período restritivo, especialmente por utilizar o transporte público em São José do Rio Preto (SP). Ela, que revela não ter se vacinado contra o coronavírus, usa a máscara como uma forma de proteção.
Funcionário do BB Onça de Rio Preto (SP) atendendo os clientes usando uma máscara
Desirèe Assis/g1
Maria trabalha de segunda a sexta-feira e, como necessita de ônibus para se locomover, tem medo de se contaminar. Mesmo estando em uma fase de controle da doença, a idosa não dispensa o uso do álcool em gel.
“Sempre estou com álcool em gel na bolsa, máscara no rosto. Eu trabalho todos os dias e pego ônibus lotado, com todo mundo respirando o mesmo ar. Então, eu uso até hoje, e não é só por causa da Covid, tem outras contaminações. Acho necessário até hoje”, revela a idosa.
Posso escolher minha vacina?
A pandemia também trouxe à tona a mobilização global em busca de uma vacina eficaz para combater o vírus. No entanto, o processo de escolha das vacinas revelou-se um campo fértil para tensões políticas e desinformação a respeito da eficácia dos imunizantes.
A vacina CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzida em parceria com o Instituto Butantan, foi, por exemplo, alvo de ataques, somados ao incentivo de métodos de tratamentos sem comprovação científica.
Em um cenário de polarização, a vacina foi vista por muitos como uma opção “vencida”, apesar de ter demonstrado uma boa eficácia e de ser uma das primeiras a ser disponibilizada para a população brasileira.
Diante disso, o prefeito de Rio Preto, Edinho Araújo, sancionou, em 2021, uma lei que colocava no fim da fila os chamados “sommeliers” de vacina.
De acordo com a prefeitura, pessoas que deixavam de tomar o imunizante contra a Covid-19 por ser de determinado laboratório só seriam incluídas novamente na campanha após o término da imunização dos demais grupos.
O morador que se recusasse a tomar a vacina disponível assinaria um termo de recusa, que seria anexado ao cadastro único do paciente na rede municipal de saúde.
Questionada pela reportagem, a Secretaria de Saúde informou que não houve registro de pessoas que tenham sido enquadradas na lei, o que a torna eficaz diante dos objetivos da administração municipal.
Evolução da Covid em Araçatuba e Rio Preto
Entre os anos de 2020 e 2025, Araçatuba e São José do Rio Preto registraram 219,6 mil casos e 4,3 mil mortes por Covid.
Casos de Covid-19 registrados por semana em Rio Preto e Araçatuba
Vacinação x mortes
Rio Preto
Quanto à vacinação, em 2020 ainda não havia imunizante disponível. Mas, em 2024, cinco pacientes, dos 38 que morreram, não se vacinaram, enquanto os demais apresentavam vacinação. Em comparação com este ano, das nove mortes, quatro não receberam o imunizante.
Araçatuba
Quanto à vacinação, em 2020 ainda não havia imunizante disponível. Mas, em 2024, dois pacientes que morreram não se vacinaram, enquanto os demais apresentavam vacinação incompleta. Em 2025, a única morte também foi de uma pessoa com a vacinação incompleta.
Faixa etária x mortes
Rio Preto
Em relação à faixa etária, embora não seja possível tabular as idades exatas dos óbitos, sabe-se que a maior parte das vítimas era composta por idosos com mais de 70 anos. Do total de 3,2 mil mortes, 807 foram de idosos com mais de 80 anos. No período de 2020 a 2025, foram seis mortes de crianças de zero a nove anos.
Araçatuba
Em relação à faixa etária, embora não seja possível tabular as idades exatas dos óbitos, sabe-se que a maior parte das vítimas era composta por idosos com mais de 60 anos, com exceção de duas crianças, sendo que os demais mortos estavam na faixa etária de 30 a 50 anos.
*Colaborou sob supervisão de Henrique Souza.
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