“Minha formação e atuação sempre estiveram ligadas à discussão sobre autonomia e dignidade no fim da vida. Por isso mesmo, entendo que precisamos tratar a morte assistida como complementar aos cuidados paliativos – quando esses procedimentos não conseguem aliviar o sofrimento. Nosso propósito é a defesa da autonomia, sem antagonizar nenhuma posição”.
Luciana Dadalto é presidente da organização Eu Decido, cujo objetivo é criar uma legislação que possibilite o suicídio assistido no país
Acervo pessoal
A declaração contundente é de Luciana Dadalto, advogada especialista em direito médico e doutora em ciências da saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG, que assumiu a presidência da recém-criada Eu Decido. A organização defende o direito à morte assistida para qualquer pessoa maior de 18 anos, capaz para tomar decisões, que esteja enfrentando um sofrimento considerado insuportável. Há cerca de 80 entidades semelhantes em mais de 30 países.
A morte assistida é liberada em 16 países, em diferentes condições. Alguns permitem a eutanásia (quando é o médico que administra o medicamento letal); outros somente o suicídio assistido (quando o próprio paciente ingere o medicamento). Há ainda aqueles que adotam as duas práticas. Em todos os casos, a advogada reconhece que o processo é demorado: “na Espanha, a organização Derecho a Morir Dignamente foi fundada em 1984, mas a lei espanhola é de 2021”.
Naquele país, o ponto de virada foi o caso Ramón Sampedro, o marinheiro tetraplégico que cometeu suicídio assistido em 1998. Sua história foi retratada em “Mar adentro”, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2005. Apenas a Suíça aceita estrangeiros para a morte assistida, na modalidade de suicídio assistido. Foi o destino do poeta Antonio Cícero, que realizou o procedimento em outubro do ano passado, após começar a enfrentar os sintomas da Doença de Alzheimer. No entanto, destaca Dadalto, essa é uma opção restrita a pessoas com alto poder aquisitivo: “custa 11 mil francos suíços (o equivalente a R$ 75 mil), o que configura uma desigualdade”.
A prioridade da Eu Decido é levantar fundos para fazer uma ampla pesquisa de opinião sobre o tema. Em seguida, pretende abrir várias frentes de trabalho, sendo que duas se destacam: atuação junto ao Legislativo e aos profissionais de saúde.
“Sabemos que o Conselho Federal de Medicina será uma barreira inicial, mas precisamos provocar a discussão e incluir, por exemplo, farmacêuticos e psicólogos”, afirma Dadalto. O site vai incluir conceitos relacionados à autonomia, como cartilhas sobre cuidados paliativos, direito à recusa terapêutica e orientações sobre como elaborar o documento de diretivas antecipadas de vontade.
Seguem os principais pontos do manifesto da entidade:
A Eu Decido acredita que a vida é um direito, e não um dever.
A Eu Decido acredita que a morte faz parte da vida e reconhece a importância de conversar a respeito desse estágio natural da existência. Esse momento único e particular deve ser vivido conforme desejos e crenças de cada um, com ampla liberdade e autonomia.
A Eu Decido acredita que morrer com dignidade é um direito humano fundamental e que ninguém deve ser obrigado a viver com um sofrimento que considera ser insuportável. E para a Eu Decido, somente a própria pessoa pode definir o que considera ser um sofrimento insuportável.
A Eu Decido não encoraja o suicídio.
A Eu Decido não fornece meios para a morte assistida, não auxilia nesse procedimento e nem intermedia tratativas com organizações internacionais.
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