No vídeo, jovem diz que a torra escura (comum no café extraforte) é feita para “esconder” impurezas. Especialista explica que folhas, ramos e outras sujeiras devem ser retirados ainda no campo. Café extraforte com galhos e folhas? vídeo de rondoniense viraliza e gera discussões
Um vídeo gravado no meio de uma lavoura no interior de Rondônia fez a jovem Tuliane Lenk de Souza ganhar destaque nas redes sociais. Na gravação, ela mostra grãos de café “defeituosos” misturado com galhos e folhas e diz que aquele é o conteúdo usado para fazer o café extraforte. A postagem viralizou e abriu espaço para o debate: o que, de fato, chega na xícara do brasileiro?
Ao g1, Tuliane relatou que sua família e parentes trabalham há décadas com produção de café e, segundo ela, o modelo extraforte leva grãos defeituosos e impurezas. A torra escura (comum no café extraforte) é feita justamente para “esconder” essas impurezas.
🔎 O café pode ter três tipos de torra: clara, média e escura. A torra clara tem sabor mais suave e ácido. A média é equilibrada, com sabores mais doces e suaves. Já a escura tem gosto mais forte e amargo. A torra influencia muito o sabor da bebida.
“O café especial é um café colhido maduro, sem defeitos, planta bem nutrida. O café extra forte tem todas essas impurezas. Nele vão os grãos que estão inferiores, os grãos que estão danificados, os grãos que boiaram lá na caixa d’água. Alguma coisinha errada eles têm”, explicou Tuliane.
O que dizem os especialistas?
O vídeo chamou a atenção e dividiu opiniões entre produtores, consumidores e especialistas em café. Mas afinal, o café tradicional pode ser comercializado com galhos e folhas?
Ao g1, o pesquisador da Embrapa, Enrique Alves, explicou que folhas, ramos e outras impurezas devem ser retirados ainda no campo e que os grãos de pior qualidade, conhecidos como boias, são separados e vendidos como café de menor valor.
“[Os grãos defeituosos] Vão originar uma bebida de pior qualidade, possivelmente precedida de uma torra escura ou até carbonizada. São cafés vendidos a menor preço e bebidos com muito açúcar”, informou.
🔎 Porém, apesar de ter grãos defeituosos, o café tradicional ainda segue uma padrão. A legislação brasileira permite que o produto possua até 1% de impurezas naturais do café (como galhos, folhas e cascas) e matérias estranhas (por exemplo, grãos ou sementes de outras espécies vegetais, pedras e areia).
“Sim, os grãos de pior qualidade vão parar nos cafés extrafortes. Mas até mesmo as commodities têm um padrão do que é aceito pela indústria. Por isso, o consumidor precisa estar atento às informações fornecidas pelas marcas e à presença dos selos da Abic [Associação Brasileira da Indústria de Café]”, explicou.
Quando um café não respeita essas regras de pureza, ele pode ser retirado do mercado, e a empresa responsável pode ser multada.
Sobre as torras, o especialista destacou que as mais escuras podem ser usadas para esconder defeitos, mas também são escolhidas por questões culturais e de gosto do consumidor.
“Normalmente, as torras escuras são utilizadas para esconder defeitos dos grãos. Mas aspectos culturais podem levar a indústria a trabalhar este padrão em grãos premium e finos”, disse.
Mitos e verdades sobre o café
Segundo o pesquisador, nem tudo o que se fala sobre café corresponde à realidade. Entre os mitos citados por Enrique Alves estão:
Apenas o café arábica tem qualidade: “Isto é totalmente falso. A qualidade do café não é inerente à espécie. É mais relevante as práticas e processos durante a produção.”
O Brasil não produz cafés de qualidade: “Basta um passeio pelas gôndolas de supermercado para ver que existe uma infinidade de marcas trabalhando cafés especiais e com grande diversidade de terroirs, processos e histórias.”
Café bom é café forte: “As marcas que trabalham matérias-primas de maior qualidade utilizam torras médias a claras, que trazem maior equilíbrio sensorial e agradabilidade da bebida.”
Para comprar um café de boa qualidade, Enrique recomenda atenção ao rótulo. Selos de qualidade e pureza são um bom indicativo. A fiscalização é feita pela Associação Brasileira das Indústrias de Café (Abic), e qualquer irregularidade pode ser denunciada.