Pesquisadora liderou escavações no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, que comprovaram e mudaram o entendimento sobre a presença humana nas Américas. Morre no Piauí a arqueóloga Niède Guidon – grande defensora do Parque Nacional Serra da Capivara, onde encontrou vestígios dos primeiros habitantes do continente
Acadêmicos lamentaram a morte da arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon, que teve importante papel no entendimento sobre a presença humana nas Américas, a partir de escavações no Parque Nacional da Serra da Capivara. A pesquisadora morreu na madrugada desta quarta-feira (4) no Piauí.
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Para o arqueólogo e antropólogo Walter Neves, a pesquisadora soube incluir e beneficiar comunidades locais no processo de gestão, preservação e valorização dos sítios arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara, garantindo que elas fossem ouvidas e favorecidas de forma econômica e cultural com a atividade arqueológica.
Walter Neves e Niède Guidon travaram debates sobre o povoamento das Américas. Após anos de discussões, o arqueólogo reconheceu a consistência das evidências encontradas pela pesquisadora, que contrariavam a teoria de que o homem chegou ao continente há 15 mil anos.
“A Niède conseguiu fazer algo único no mundo, que foi associar essa coisa da conservação do patrimônio arqueológico nacional com inclusão social, já que o trabalho dela teve um amplo reflexo nas condições sociais das populações regionais próximo à Serra da Capivara”, afirmou em entrevista ao Jornal Hoje.
Para a escritora Adriana Abujamra, finalista do Prêmio Jabuti Acadêmico de 2024 com o livro “Niède Guidon: uma arqueóloga no sertão”, a pesquisadora também incentivou o empoderamento feminino e impulsionou a autonomia financeira de muitas mulheres na região.
“Acho muito importante a transformação que ela fez com as mulheres da região. Muitas sofriam maus-tratos dos maridos e eram dependentes. Quando ela viu que essas mulheres apanhavam e que esses homens que trabalhavam pra ela diziam ‘se quer isso arrumado, a gente tá aqui pra cuidar do parque, então contrata uma mulher pra limpar’, ela falou ‘pois então tá'”, relembrou.
“Demitiu os homens aos poucos e substituiu todos por mulheres. Isso é de uma revolução, de uma tamanho. Essas mulheres, com autonomia financeira, puderam se livrar desses sujeitos”, concluiu.
O professor de arqueologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Grégoire van Havre reforçou o legado deixado por Niède Guidon.
“Ela começou a trabalhar, descobriu mais e mais coisas, até chegar ao resultado de que tinha pessoas vivendo no Piauí entre 20 e 50 mil anos atrás, algo completamente impensável. Ela trouxe esses resultados, continuou a consolidar toda a pesquisa dela em torno disso, trouxe especialistas de vários cantos do planeta para trabalhar sobre isso. É difícil dizer como ela conseguiu. Será que a gente conseguiria fazer a mesma coisa hoje? Eu não tenho certeza”, comentou.
Sociedade Brasileira de Paleontologia
É com imenso pesar que a Diretoria da Sociedade Brasileira de Paleontologia comunica a notícia do falecimento da Doutora Niède Guidon, ocorrido no dia 4 de junho de 2025, aos 92 anos. Natural de Jaú (SP), Niède dedicou sua vida à ciência e à proteção do patrimônio arqueológico brasileiro, tornando-se uma das figuras mais importantes da arqueologia e paleontologia no país.
Ao longo de sua carreira, Niède foi protagonista de descobertas fundamentais na região da Serra da Capivara, no Piauí. Sua atuação incansável revelou ao mundo mais de mil sítios arqueológicos, entre eles o icônico abrigo Pedra Furada, cujas pinturas rupestres milenares contribuíram para uma nova interpretação sobre os primeiros habitantes das Américas. Suas pesquisas desafiaram paradigmas estabelecidos, sugerindo ocupações humanas muito anteriores ao que se acreditava até então.
Mais do que cientista, Niède foi uma visionária. Lutou pela criação e conservação do Parque Nacional da Serra da Capivara, que veio a ser reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO. Com uma visão ampla e sensível, ela entendeu que preservar o passado também significava cuidar do presente. Por isso, trabalhou pelo desenvolvimento da região, impulsionando projetos de educação, saúde, turismo sustentável e geração de renda para as comunidades locais.
Ao longo de décadas, construiu pontes entre a ciência e a população, formando novas gerações de arqueólogos e promovendo o envolvimento direto das comunidades com a preservação cultural.
A partida de Niède Guidon representa uma perda irreparável para o Brasil e para o mundo. Seu legado, no entanto, permanece vivo nas rochas pintadas do sertão, nas vidas que tocou e nas ideias que semeou com coragem, ética e determinação.
Manifestamos nossa solidariedade à família, aos colegas e a todos que compartilharam de sua jornada. Que sua memória siga inspirando todos aqueles que acreditam no poder do conhecimento e no valor do nosso patrimônio histórico.
Sociedade de Arqueologia Brasileira
A Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) comunica, com imenso pesar, o falecimento da professora e arqueóloga Dra. Niède Guidon, ocorrido na madrugada desta quarta-feira, 4 de junho, em São Raimundo Nonato (PI), aos 92 anos.
Figura incontornável da ciência brasileira, Niède foi uma das maiores referências da arqueologia no país e no mundo. Dedicou mais de cinco décadas à investigação do passado humano nas Américas, desafiando paradigmas e abrindo novos caminhos para o entendimento das primeiras ocupações no continente.
À frente das pesquisas no Parque Nacional da Serra da Capivara — hoje reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO — identificou e estudou mais de 700 sítios arqueológicos. Fundadora da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), responsável pelo curso de graduação em São Raimundo Nonato e o bacharelado em Arqueologia e Preservação Patrimonial da UNIVASF, além de transformar a paisagem científica, social e ambiental do sudeste do Piauí.
Membro da Academia Brasileira de Ciências e condecorada com a Ordem Nacional do Mérito Científico, Niède foi incansável na defesa do patrimônio arqueológico e natural brasileiro. Visionária, corajosa, profundamente comprometida com a ciência e com a vida, fez de sua trajetória um legado que seguirá inspirando gerações de arqueólogas, arqueólogos e defensores da memória e da natureza.
À família, aos amigos e à comunidade científica, manifestamos nossa solidariedade. Que seu exemplo siga vivo, como as marcas que ajudou a revelar nas rochas da Serra da Capivara — e na história do Brasil.
Morte de Niède Guidon
Arqueóloga Niède Guidon
Divulgação
Morreu, aos 92 anos, na madrugada desta quarta-feira (4), em São Raimundo Nonato, a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon. A informação foi confirmada pela diretora do Parque Nacional da Serra da Capivara, Marian Rodrigues.
“Pela idade, tinha dificuldades, estava com a memória recente já um pouco esquecida, mas a saúde estava bem. Ontem [terça-feira] ela apresentou incômodo leve durante o dia, sentindo um aperto no peito, na garganta. Mas à tarde teve a reunião de sempre. Tomou um remédio para passar aquele incômodo e foi dormir. Na madrugada, ela se sentiu mal e foi muito rápido. Já parou”, contou Marian.
A causa da morte ainda será divulgada pela equipe médica.
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Quem foi a arqueóloga Niède Guidon
Niède nasceu em 12 de março de 1933, em Jaú (SP), filha de pai francês e mãe brasileira. Ela se formou em história pela Universidade de São Paulo (USP) em 1959. Ela foi para a França lecionar e voltou ao Brasil em 1970, quando conheceu as pinturas rupestres de Coronel José Dias, no Sul do Piauí.
A pesquisadora encontrou desenhos datados de até quase 30 mil anos e obteve o doutorado em pré-história pela Universidade de Paris em 1975.
O g1 preparou um perfil da arqueóloga que revolucionou a história do “homem americano” e cujo trabalho levou a Unesco a declarar a Serra da Capivara como patrimônio cultural da humanidade.
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