A 200 dias do evento, o Brasil busca se consolidar como protagonista no debate global sobre meio ambiente e encara o desafio de articular um financiamento climático na cifra de US$ 1 trilhão por ano. Mercado do Ver-O-Peso, cartão-postal de Belém que passa por reformas para receber a COP 30
Augusto Miranda/Agência Pará
A 200 dias para a COP 30 na Amazônia – a primeira edição do evento a ser realizada no Brasil – , o g1 traz nesta quinta-feira (24) as questões-chave que devem orientar o debate no principal evento da ONU sobre crise climática global.
Para entender o panorama da COP 30 e o papel do Brasil no evento global, o g1 conversou com a pesquisadora Brenda Brito, da ONG Imazon, que desde 1990 atua na proposição de soluções para o desenvolvimento sustentável da região.
Para Brenda Brito, a conferência, que será realizada em novembro deste ano em Belém do Pará, é vista como uma oportunidade para consolidar o protagonismo do Brasil nos debates mundiais sobre meio ambiente. “Mas não sem grandes desafios”.
Para avançar na tarefa central, que é implementar as estratégias do Acordo de Paris, firmado ainda em 2015, para conter o aquecimento global abaixo de 2°C até o final do século, é indispensável ampliar os investimentos em preservação ambiental nos países em desenvolvimento – uma articulação complexa que pretende alcançar a cifra de US$ 1 trilhão por ano.
“Esse processo enfrenta desafios geopolíticos importantes, como a saída dos Estados Unidos de parte dos compromissos internacionais relacionados ao meio ambiente e a guerra na Ucrânia, que tem redirecionado recursos de países desenvolvidos”, destaca Brenda Brito.
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Com sua rica biodiversidade, o maior bioma tropical do planeta e experiência em soluções renováveis, o Brasil, historicamente influente nas negociações climáticas, pode fazer da COP 30 um momento crucial para reafirmar sua posição de liderança em pautas ambientais, considerando conquistas importantes do país, como a redução do desmatamento e a apresentação de uma nova NDC (contribuição nacionalmente determinada), com metas de redução de emissões de carbono entre 59% e 67% até 2035 – embora o Observatório do Clima sugira que o Brasil poderia reduzir até 90%.
“No entanto, o Brasil ainda não abordou de forma clara a contradição de ampliar sua produção de petróleo enquanto se compromete com uma economia de baixas emissões de carbono”, avalia Brito.
Entenda quais são os principais pontos de debate na Conferência do Clima:
💰 Financiamento Climático
📍 Baku-Belém: Caminho para o Trilhão
🌳 Fundo de Financiamento para Florestas Tropicais (TFFF)
🌆 Adaptação Climática
⚖️ Transição Justa
🛢️ Petróleo vs. Clima: Contradições
💰 Financiamento Climático
Promessa no Acordo de Paris: US$ 100 bilhões/ano.
Com valores atualizados, países em desenvolvimento esperam até US$ 1,3 trilhão/ano.
Na COP 29, foi acordado US$ 300 bilhões/ano – avanço, mas ainda aquém da meta.
Financiamento é essencial para substituir matriz energética poluente por fontes renováveis; adaptar cidades aos impactos climáticos (enchentes, secas, etc.); e reparar perdas e danos causados por eventos extremos.
A COP 30 deve focar na articulação para que o financiamento climático mundial aumente de maneira significativa. Os recursos para o financiamento climático devem ser oriundos de países desenvolvidos e com secular histórico de industrialização – visto que eles são os maiores responsáveis pelas emissões de carbono na atmosfera -, e serão destinados especialmente aos países em desenvolvimento, que são os mais afetados pelos impactos da crise climática.
Embora a promessa original, no Acordo de Paris, fosse de US$ 100 bilhões por ano, estudos e demandas apontam que o valor necessário para cobrir ações de mitigação, adaptação e perdas e danos já ultrapassa US$ 1,3 trilhão anuais. Na COP 29, no entanto, o compromisso oficializado foi de apenas US$ 300 bilhões por ano – valor que representa um avanço em relação à meta anterior, mas ainda está muito abaixo do esperado.
📍 Baku-Belém: Caminho para o Trilhão
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Diante disso, foi criado um plano chamado “Caminho Baku-Belém”, que prevê uma série de negociações até a COP 30, no Brasil, com o objetivo de definir um roteiro para alcançar o financiamento climático de US$ 1 trilhão por ano até 2035.
🌳 Fundo de Financiamento para Florestas Tropicais (TFFF)
Fora das negociações oficiais, o Brasil também pretende lançar, na COP 30, o Fundo de Financiamento para Florestas Tropicais (TFFF), com a expectativa de captar mais de US$100 bilhões para recompensar países que conseguirem reduzir o desmatamento.
“A criação desse fundo é vista como um passo estratégico para consolidar a posição brasileira como liderança nas discussões climáticas globais e fortalecer a proteção das florestas tropicais no mundo inteiro”, pontua Brenda Brito, dedicada desde 1990 a propor soluções para o desenvolvimento sustentável da região.
🌆 Adaptação Climática
Meta do Acordo de Paris: aumentar resiliência e reduzir vulnerabilidade.
Dificuldade em mensurar avanços (ao contrário da mitigação).
Processo em andamento desde a COP 28 para definir até 100 indicadores globais.
Expectativa de concluir essa definição na COP 30.Adaptação aos efeitos extremos da mudança do clima.
Além do financiamento, outro tema prioritário nas negociações climáticas é a adaptação aos efeitos extremos do aquecimento global. Cidades e territórios ao redor do mundo já enfrentam enchentes, secas, ondas de calor e prejuízos que exigem planejamento e investimentos. A expectativa é que a COP 30 finalize a criação de até 100 indicadores para medir a efetividade das ações de adaptação – uma tarefa complexa, já que as necessidades variam entre regiões e contextos locais.
⚖️ Economia verde e transição justa
Também está em debate a chamada “transição justa”, que busca garantir que a transformação das economias para modelos mais sustentáveis não aprofunde desigualdades sociais. O tema inclui a proteção de trabalhadores que dependem de indústrias poluentes, atenção às questões de gênero e juventude e a geração de empregos na nova economia verde. Até o momento, não houve consenso sobre quais frentes a transição justa deve abranger, e espera-se que a COP 30 avance nesse sentido.
Redução de impactos socioeconômicos da transição energética.
Inclusão de trabalhadores impactados (ex: setor fóssil).
Igualdade de gênero, juventude, e direitos humanos.
Tema ainda sem consenso; precisa de encaminhamento na COP 30.
“Na Amazônia, onde a COP 30 será realizada, cidades como Melgaço (PA), no Marajó, que tem um dos piores IDHs do Brasil, exemplificam a sobreposição de vulnerabilidades sociais e ambientais. A juventude amazônica, em especial, enfrenta dificuldades de acesso à educação e ao mercado de trabalho, o que acentua os desafios da inclusão em uma economia de baixo carbono. É necessário alinhar geração de empregos com economia verde ”, aponta Brito.
🛢️ Petróleo vs. Clima: contradições
Grande desafio: transição para longe dos combustíveis fósseis.
Lobby da indústria fóssil afeta decisões em COPs.
Contradição do Brasil: redução do desmatamento vs. aumento da produção de petróleo.
Agência Internacional de Energia (AIE) já recomenda (desde 2021) não iniciar novos projetos fósseis.
Desde a assinatura do Acordo de Paris, houve avanços significativos no combate às mudanças climáticas, como a contenção do aumento da temperatura global que, na ocasião, em 2015, estimava +4°C até o final do século. Hoje, projeções estão entre +2°C e +2,8°C.
No entanto, o relatório da ONU sobre a Lacuna de Emissões de 2023 alerta que as promessas atuais não são suficientes para atingir os objetivos do Acordo.
“O mundo ainda segue em uma rota que pode levar a um aumento da temperatura global entre 2,1°C e 2,8°C até o fim do século – melhor do que o cenário anterior de mais de 4°C, mas ainda longe do limite seguro”, alerta Brito.
Um dos grandes entraves é o uso continuado e até ampliado dos combustíveis fósseis. “Mesmo países com compromissos climáticos ambiciosos, como o Brasil, mantêm planos de expansão da produção de petróleo, o que contradiz as metas climáticas e os alertas da Agência Internacional de Energia, que defende o fim de novas explorações fósseis desde 2021”, diz.
A pesquisadora se refere ao plano da Petrobras de explorar combustível fóssil em mar aberto, na foz do rio Amazonas, extremo Norte do país, numa região de biodiversidade única e pouco estudada. O ponto exato onde a Petrobras quer explorar petróleo fica a 175 km do ponto mais próximo de terra, no Amapá, e a 540 km da Foz do Amazonas. A profundidade é de cerca de 2.800 metros, e o poço a ser perfurado teria mais 3 mil metros. Ou seja: somando tudo, da superfície da água até o fundo do poço, são quase 6 km.
Há quem veja no projeto uma nova fronteira energética, essencial para o futuro do Brasil. E há quem enxergue um risco ambiental e social alto demais.
“Se a gente não encontrar [petróleo] ali, nós vamos ter que encontrar em outro lugar, porque o Brasil vai precisar ainda produzir petróleo”, afirma Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), à reportagem do Fantástico.
“O Brasil não precisa abrir essa nova fronteira exploratória de petróleo para poder seguir com seus planos de transição energética, para poder avançar em qualquer plano de desenvolvimento sustentável,” diz Mariana Andrade, oceanógrafa e porta-voz do Greenpeace Brasil.
Em maio de 2023, o Ibama negou a licença ambiental para a Petrobras explorar petróleo num bloco da Bacia da Foz do Amazonas chamado FZA-M-59, mais conhecido como “Bloco 59”. E, agora em fevereiro, os técnicos do instituto voltaram a recomendar que a permissão seja rejeitada.
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