Casas flutuantes ficaram encalhadas no leito do Igarapé do Xidamirim, cujo nível da água baixou drasticamente devido à seca em Tefé, no Amazonas. Foto de 20 de agosto de 2024
Bruno Kelly/Reuters
Quase 75% da redução das chuvas na estação seca da Amazônia desde 1985 pode ser atribuída ao desmatamento.
É isso o que aponta um novo estudo publicado nesta terça-feira (2) na revista “Nature Communications”.
De forma geral, a pesquisa reforça como a derrubada da floresta tem um peso maior na diminuição das precipitações no bioma do que as mudanças globais no clima.
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Ainda segundo o trabalho, assinado por cientistas brasileiros e estrangeiros, a floresta deixou de receber pelo menos 15,8 milímetros de chuva por estação seca devido ao avanço do corte raso.
🌱 ENTENDA: Desmatamento por corte raso é a remoção completa da cobertura florestal (todas ou a maioria das árvores) de uma área específica em um curto espaço de tempo.
No mesmo período, a temperatura máxima na superfície do ar subiu em torno de 2 °C, sendo que 16,5% desse aumento está ligado diretamente ao desmatamento e o restante às mudanças globais no clima
“A Amazônia sempre foi conhecida por altos volumes de chuva, mesmo na estação seca, entretanto, encontrar algo em torno de 75% realmente é, para mim, muito surpreendente”, afirma ao g1 Marco Aurélio de Menezes Franco, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP) que liderou o estudo.
“Este resultado mostra o quão importante é preservar a floresta e trabalhar com ela da forma mais sustentável possível”, acrescenta.
Desmatamento é a chave para a transformação climática da Amazônia.
Inmet/Reprodução
Segundo Franco, as mudanças no regime de chuvas e no calor acontecem de forma mais brusca logo no início da destruição da floresta.
O estudo mostra que basta a perda de 10% a 40% da cobertura vegetal para que as alterações fiquem evidentes.
Esse comportamento rápido, explica ele, está ligado à delicadeza do sistema amazônico: a vegetação produz partículas que ajudam a formar nuvens e chuvas.
Quando a mata é retirada, esse ciclo se rompe.
Efeitos práticos
Ainda segundo o estudo, os impactos de todo esse desmate vão muito além da floresta. Franco destaca que a Amazônia abastece o continente com umidade por meio dos chamados “rios voadores”, correntes de vapor d’água que se formam sobre a mata e seguem para regiões agrícolas no Centro-Oeste e no Sudeste do Brasil.
Ao diminuir esse fluxo, o desmatamento atinge em cheio setores como o agronegócio. “E o agronegócio já sente esses efeitos no bolso, especialmente na diminuição da produtividade das safras, mas especificamente das safrinhas [um cultivo secundário realizado logo após a safra principal ]”, explica.
Fora isso, os rios da região também sofrem com a redução das chuvas. A tendência é de níveis cada vez mais baixos, o que afeta desde a biodiversidade aquática até comunidades que dependem da pesca e da agricultura de subsistência.
Para Franco, os “impactos, de forma geral, serão tremendos se o desflorestamento não for controlado”.
a COP30 e nosso futuro
O estudo aponta que, se o ritmo atual de desmatamento continuar, até 2035 a Amazônia poderá enfrentar uma elevação de 2,64 °C nas temperaturas máximas e uma queda de 28,3 milímetros de chuva por estação seca em comparação com 1985.
Em áreas mais desmatadas, só o efeito local da perda de floresta já elevou a temperatura em até 1,25 °C. “Isso mostra que o desmatamento não apenas soma ao aquecimento global, mas intensifica os extremos regionais”, afirma Franco.
Ele alerta que regiões como o arco do desmatamento, no sudeste da Amazônia, já registram mais secas, queimadas severas e calor extremo, reforçando a ideia de que o bioma caminha para um ponto crítico.
No entanto, como mostrou o g1, ainda não há consenso científico sobre quando seria o chamado “ponto de não retorno”, mas há sinais de que a floresta pode se aproximar de condições semelhantes às do Cerrado ou até da Caatinga.
Nosso trabalho tem implicações diretas para o debate internacional na COP30. Ao quantificar os efeitos do desmatamento, oferecemos um parâmetro objetivo para que governos e negociadores possam discutir o problema com base em evidências científicas, e não apenas em percepções ou interesses políticos.
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