SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2018, o demógrafo José Eustáquio Alves havia projetado que evangélicos bateriam os católicos como maior bloco religioso do Brasil até 2032. Ele retira o que disse.
Pesquisador aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, ele afirma à reportagem que esse prazo foi dilatado. “Pra mim vai ser próximo de 2050.” Isso se esse dia chegar.
Alves reagiu à divulgação, nesta sexta (6), dos números religiosos do Censo colhido em 2022. Evangélicos são 26,9% da população acima de 10 anos, e católicos, 56,7%. Antes, especulava-se que a essa altura os crentes já beirariam um terço do país.
O placar, segundo o pesquisador, não foi a goleada aguardada por evangélicos. Estaria mais para “1 a 0” desse grupo cristão contra o catolicismo, diz.
Ele, contudo, aponta possíveis fatores que podem ter refletido num crescimento mais acanhado. O IBGE, por exemplo, decidiu desta vez trabalhar apenas com dados da população acima de 10 anos, e é sabido que evangélicos tendem a ser mais jovens do que católicos.
Para se ter uma ideia, no Censo 2010, os crentes eram 22,2% no total. Mas, excluindo crianças abaixo dessa faixa etária, iam para 21,6%. Ou seja, se a metodologia passada valesse agora, evangélicos de certo aumentariam algo perto de um ponto percentual na estatística -ainda que não alcançassem o patamar esperado.
PERGUNTA – O sr. já projetou que os evangélicos ultrapassariam os católicos em menos de uma década, até se tornarem maioria no país. Mantém a previsão?
JOSÉ EUSTÁQUIO – Não. Olha, o primeiro problema é que o IBGE ficou 12 anos sem nenhuma pesquisa de religião. Então a gente ficou meio num limbo nesse período. Na minha projeção, fiz uma suposição de que a queda dos católicos ia acelerar, e a subida dos evangélicos ia acelerar também. Algumas pesquisas -Datafolha, Latinobarómetro, Pew- mostravam que essa transição estava acelerando. E também por causa do crescimento dos templos. Isso aí influenciou muito. Só a Assembleia de Deus tem hoje mais templo do que toda a Igreja Católica.
P – No fim, a expansão evangélica desacelerou.
JE – É, os dados do Censo mostraram que, na verdade, católicos perderam menos [fiéis], e os evangélicos cresceram mais lentamente.
P – O que aconteceu?
JE – Até que ponto a gente pode confiar nesses dados do Censo? Ainda acho que é a melhor alternativa que a gente tem, mas temos que trabalhar [os dados] com cuidado. Duas coisas que chamo a atenção. Primeiro, o Censo teve um erro de cobertura grande. Contou 203 milhões de pessoas [e projetou mais de 210 milhões na população]. Quase 8 milhões de pessoas não foram entrevistadas. A gente não sabe até que ponto isso pode ter impactado os dados de religião.
P – Nos Censos anteriores havia ocorrido algo assim?
JE – Foi menos. O de 2010 foram 4 milhões de pessoas [que não responderam]. Não acho que inviabilize os dados, não, mas é só um alerta, entendeu? Agora, meu segundo ponto é a mudança de metodologia. [Não consideraram no recorte religioso] as crianças com menos de dez anos.
P – E a tendência religiosa desse grupo é qual?
JE – Boa parte dessas crianças era sem religião. Principalmente quando o pai é de uma religião, a mãe é de outra, quando pergunta qual que é a religião da criança, tendiam a falar que não tinha, porque não definiu ainda. Isso pode ter afetado os números dos ‘sem religião’ [9,3% do total], eu esperava uma cifra um pouquinho maior.
P – Evangélicos são, na média, mais jovens do que católicos. Isso pesou?
JE – Entre os idosos tem muito mais católico. Se você pega a distribuição dos evangélicos, a proporção é maior entre os jovens, inclusive crianças. Tem que fazer um estudo melhor de qual foi o impacto dessa mudança metodológica sobre os resultados finais.
P – O sr. ao mesmo tempo diz que esses fatores não bastam para justificar o avanço evangélico mais lento.
JE – Realmente é uma surpresa. Mostrou uma maior resiliência dos católicos e um menor dinamismo dos evangélicos. Tentando pensar um pouco sobre isso, acho que tem a ver até com a experiência dos Estados Unidos, de outros países, que é essa polarização. Essa identificação da extrema-direita e do bolsonarismo com o evangélico, isso acabou afastando muita gente [das igrejas], os evangélicos moderados. Essa polarização é boa para fazer like em rede social. Mas, no global, afasta muita gente que está buscando refúgio espiritual.
P – Acredita que a expansão evangélica vai bater um teto, ou eles ainda podem superar os católicos?
JE – O Paul Freston [sociólogo da religião] falou que a queda dos católicos tem um piso, e a subida dos evangelhos tem um teto que está em torno de 40%. Mas vou te dar um exemplo. Seropédica [município da baixada fluminense], em 1991, tinha quase 70% de católicos. Hoje são 19,5%. Então, respondendo a sua pergunta, ainda acho que não existe um teto nem um piso definido. Tudo pode acontecer.
P – E o prazo?
JE – Uma coisa é certa, dilatou esse prazo dos evangélicos passando os católicos. Pra mim vai ser próximo de 2050, se passar [antes ele estimava até 2032].
P – Que outros dados religiosos chamaram sua atenção?
JE – A queda do espiritismo era até esperada, dado o escândalo lá do João de Deus. Tinha quase certeza que ia afetar esse crescimento dos espíritas. Agora, o crescimento da umbanda e do candomblé também acho esperado [de 0,3% para 1%], porque tem todo esse movimento de fortalecer a cultura afrodescendente.
P – Existe essa ideia da dupla cidadania religiosa do brasileiro. Muitos declaram a fé católica, por exemplo, mas tem algum pezinho em outra fé.
JE – Eu tinha uma dentista que era super religiosa. Aí ela teve um problema na garganta e foi no terreiro para tratar. Agora, se você perguntar para ela, óbvio que ela vai falar que é católica. Essa dupla pertença aí é muito difícil de medir. O IBGE já tentou, mas pouquíssima gente fala que tem duas religiões.
P – Que grupos religiosos saem “perdendo” e “ganhando” nesse último levantamento?
JE – O negócio é o seguinte, é igual jogo de futebol. Todo mundo pensou que os evangélicos iam dar uma goleada em cima dos católicos. Estávamos esperando o católico cair muito, ficar abaixo de 50%, e ficou com quase 57%. Os evangélicos vão ficar com o pé atrás. Não vão estourar a boca do balão, mas é o grupo que mais cresceu.
P – Não foi um 7 a 1 deles sobre católicos.
JE – Tá mais para 1 a 0.
RAIO-X | JOSÉ EUSTÁQUIO ALVES, 71
Belo Horizonte. É doutor em demografia, autor do livro “Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e Cenários para o Século XXI” e pesquisador na Decifra Ensino e Pesquisa em Demografia. Integrou o time de pesquisa do IBGE até se aposentar, em 2019.