A decisão levou em conta a adoção ilegal de sete crianças de Santos Dumont, na Zona da Mata mineira, no fim do período da ditadura militar. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Advocacia-Geral do Estado (AGE) ainda podem recorrer da decisão. A Justiça Federal condenou a União e o Governo de Minas Gerais por violações contra três mães que foram vítimas de um esquema de adoções ilegais e tiveram os filhos levados à força para outros países, principalmente França e Itália. Os casos ocorreram no fim da ditadura, entre 1985 e 1987, com famílias pobres da cidade de Santos Dumont, na Zona da Mata, envolvendo 7 crianças.
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Ao g1, a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE) informou que irá se manifestar nos autos do processo. Já a Advocacia-Geral da União (AGU) respondeu que foi notificada e analisa a decisão do TRF6. Ainda cabe recurso.
A sentença do juiz federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), fixou indenizações de quase R$ 2 milhões, sendo R$ 500 mil para cada uma das mães e de R$ 150 mil para dois irmãos de uma das crianças levadas para adoção:
Maria Ricardina de Souza teve o filho retirado à força de casa pelas autoridades e chegou a ser presa ao tentar resistir, sendo considerada louca. São filhos dela os dois irmãos que também deverão ser indenizados;
Heloisa Aparecida da Silva teve três filhos levados sem seu consentimento;
Isaura Cândida Sobrinho teve os três filhos encaminhados irregularmente para adoção, também sendo presa e interditada, por ser considerada louca.
Não foram divulgadas informações sobre o paradeiro das crianças adotadas ilegalmente nem se elas retornaram ao convívio da família no Brasil.
A nova decisão foi contrária ao entendimento da primeira instância que havia reconhecido a prescrição da ação.
“Todas as famílias encontravam-se em situação de extrema vulnerabilidade social e econômica, o que reforçava não apenas a conscientização sobre os próprios direitos, mas também a adoção de medidas legais para garanti-los”, cita a decisão.
Segundo informações do TRF6, a rede criminosa envolvia advogados, religiosos, comissários de menores e oficiais de justiça, sob a autoridade do então juiz Dirceu Silva Pinto, já falecido.
Mães eram forçadas a assinar a adoção
Na década de 1980, juízes, comissários de menores, oficiais de justiça, promotores e autoridades policiais e religiosas promoveram as adoções ilegais de crianças em pelo menos cinco cidades da Zona da Mata e Campo das Vertentes.
A estratégia usada pelo grupo tentava desqualificar as famílias e forçá-las a assinar a adoção. Os alvos eram pessoas pobres, geralmente negras e de pais analfabetos, que não sabiam o que estavam assinando.
Em 2016, uma audiência pública foi realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir o caso em Santos Dumont.
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Em outros casos, as crianças eram levadas para educandários, onde receberiam apoio nos estudos, mas o contato com a família era perdido.
As mães eram taxadas como loucas ou alcoólatras, e a pobreza era usada com argumento para a retirada dos filhos. Em seguida, elas eram chamadas ao fórum das cidades e ameaçadas de serem presas ou de nunca mais verem as crianças.
Adoções ilegais
Para o juiz federal convocado Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, os danos causados às famílias foram de tal gravidade que justificam a adoção de um regime excepcional de responsabilidade civil do Estado.
“As atrocidades cometidas não apenas violaram direitos fundamentais, mas também impuseram sofrimento duradouro, rompendo laços familiares de forma definitiva e causando danos emocionais irreparáveis”, afirmou o juiz em seu voto.
Crianças foram levadas de Santos Dumont para a Europa em doações ilegais
Prefeitura de Santos Dumont/Divulgação
A decisão reconhece que a atuação do Estado de Minas Gerais foi determinante para a concretização das adoções ilegais, enquanto a União foi omissa ao permitir a saída irregular das crianças do país, sem qualquer investigação sobre a legalidade dos processos.
A divisão da responsabilidade foi estabelecida em 80% para o Estado de Minas Gerais e 20% para a União.
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