‘Poderia facilmente ter sido descartada por alguém da indústria que pensa: ‘Ah, nenhum jovem vai querer ouvir isso”, diz cantora de 26 anos. Leia entrevista. Quem é Laufey, cantora islandesa que une bossa nova, pop e jazz
A islandesa Laufey se mostra orgulhosa ao dizer que apresentou bossa nova a uma legião de novinhos que até então desconheciam o gênero. Ao unir bossa com jazz e pop, suas músicas conquistam cada vez mais adolescentes pelo mundo — especialmente as garotas. E tudo isso graças ao TikTok, garante ela em entrevista ao g1.
“Eu não cresci em cidade grande, ou cercada por pessoas famosas para mostrarem como eu poderia construir minha carreira. Tudo o que tive foi o TikTok. Com ele, conquistei um público que acreditou em mim o suficiente para me trazer até aqui”, diz a cantora.
“Eu poderia facilmente ter sido descartada por alguém da indústria que pensa: ‘Ah, nenhum jovem vai querer ouvir isso’ . Mas consegui provar que existe, sim, um desejo pela minha música.”
No TikTok, Laufey não impulsiona as músicas com dancinhas. Em vez disso, posta vídeos descontraídos, que, muitas vezes, vem embalados ao som das canções. Ela tem 8,3 milhões de seguidores na rede. Já no Spotify, tem mais de 17 milhões de ouvintes mensais.
Cantora Laufey em ‘From the Start’
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A artista veio ao Brasil pela primeira vez no último sábado (31), quando se apresentou no Popload Festival. Ela cantou faixas dos álbuns “Bewitched” (2023) e “Everything I Know About Love” (2022) para uma plateia lotada de fãs mirins.
A maioria deles não ficou até o fim do evento e acabou perdendo a participação da cantora no show de Norah Jones. Juntas, elas fizeram uma versão emotiva de “Come away with me”, na qual a voz mais encorpada da Laufey se misturou à voz mais suave da veterana.
Nesse dueto e em algumas interações com o público durante seu show, a islandesa mostrou certo nervosismo. Mas nada que prejudicasse uma performance, acima de tudo, imponente. Laufey, definitivamente, tem domínio de sua voz e de seu repertório.
Bossa na praia
A base de sua formação musical veio a partir de três gigantes da música brasileira: Astrud Gilberto, Luiz Bonfá e João Gilberto.
“Em casa, meu pai sempre tocava bossa nova. Ouço desde a infância, mas só fui aprender mais profundamente quando cursei música na Faculdade de Berklee, em Boston”, conta ela, enfatizando que os aprendizados a que se refere vão além de técnicas.
“Eu tinha acabado de me mudar para Los Angeles. Ficava indo à praia o tempo todo, fazia tanto calor. Eu só queria ouvir bossa nova”, lembra a artista. “Comecei a compor letras sobre estar me sentindo sozinha, por não me apaixonar por ninguém. Daí, pensei ‘isso dá uma música de bossa nova’.”
Parece até cena de novela — em que uma Helena (de Manoel Carlos) admira o mar enquanto reflete sobre amor, ao som de bossa. Realmente, Laufey captou a essência do estilo.
A cantora islandesa Laufey
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Antigo e moderno
O hit mais bombado da islandesa é “From the Start”. A canção tem nítidos elementos do gênero: samba sussurrado, vocal falado e violão em evidência. “Falling Behind”, “Lovesick” e “Bewitched” são outras faixas com a estética. Já “Valentine” e “Let You Break My Heart Again” têm uma pegada mais jazz, um som puxado para Ella Fitzgerald e Billie Holiday.
Mas mesmo se inspirando em épocas anteriores à de sua geração (Z), Laufey soa bastante atual. Todas suas músicas têm um saborzinho moderno e pop.
“Nunca me apresentei como alguém que não fosse jovem. Quando abro a boca para cantar, minha música soa meio antiga. Mas tirando isso, eu sempre fui moderna na forma de me vestir, de falar, de tudo”, diz Laufey, que está com 26 anos.
“As experiências sobre as quais eu escrevo são todas jovens. Clássicos de bossa, jazz e música erudita têm letras escritas por homens, que até falam de coisas bonitas, mas que não dialogam comigo. Minhas experiências refletem as de muitas garotas e jovens mulheres do mundo de hoje.”
Ela cita, então, as cantoras Sarah Bareilles e Taylor Swift como referências modernas desse estilo lírico. Um tipo de composição que, de fato, atrai boa parte da juventude feminina atual.
A cantora islandesa Laufey
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De mulher para mulher
Outra forma que a artista encontrou para falar de dilemas femininos foi a criação do The Laufey Book Club, um clube de livro. Com encontros online mensais, Laufey se reúne com fãs para discutir livros.
Ela conta que a ideia veio quando estava em um momento solitário de sua vida e, para se desprender da situação, decidiu se aprofundar na relação entre música e literatura. Foi quando percebeu que “escritoras mulheres têm muito a dizer para outras mulheres”. Daí, criou o clube para interagir com os fãs, cuja maioria é feminina.
“Ainda não lemos nenhum livro brasileiro, mas quero muito ler algo da Clarice Lispector. Primeiro, porque amo a cultura brasileira, mas também porque uma das minhas melhores amigas estudou sobre Clarice na faculdade e, desde então, não para de recomendar suas obras.”
Ela afirma que ainda não definiu quando o clube irá ler um livro da escritora, mas quer que aconteça ainda neste ano.
Em agosto, a cantora lançará seu terceiro álbum, “A Matter of Time”. Laufey diz que o disco foi feito para “representar todas as emoções que mulheres passam em um só dia”.
“São composições sobre um lado que, muitas vezes, as mulheres muitas vezes não querem mostrar por medo de serem vistas como dramáticas ou loucas. Estou cavando mais fundo no meu próprio poço emocional.”
Seu último disco, “Bewitched” (2023) levou o Grammy de melhor álbum de música pop tradicional. Com carreira em ascensão, o futuro da jovem fã de bossa nova é bastante promissor.
Ao fim da entrevista, a cantora mostrou suas unhas, pintadas com desenhos de um coração e um redemoinho. Era uma celebração à música inédita que ela apresentaria no dia seguinte no Popload, “Lover Girl”. Fofa demais.