
Novo tratamento reduz risco de morte em tipo de câncer de pulmão que atinge mais mulheres
PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Um novo tratamento para câncer de pulmão que envolve a associação de dois fármacos diminuiu em 25% as chances de morte por um tipo da doença em fase metastática ou avançada que atinge principalmente mulheres e não fumantes. Os efeitos colaterais, porém, são maiores e mais tóxicos.
Trata-se da união das drogas amivantamab e lazertinib, que reduziu o risco em relação à terapia habitual com o medicamento osimertinib. Os fármacos tiveram sucesso no tratamento do tumor de pulmão de células não pequenas causado por uma mutação na proteína “receptor do fator de crescimento epitelial” (EGFR, na sigla em inglês).
A combinação também aumentou o tempo de vida dos participantes envolvidos no estudo, que foi patrocinado pela farmacêutica Johnson &Johnson. Enquanto no segmento de 42 meses a droga anterior conseguiu manter 44% dos pacientes vivos, a associação das substância atingiu a marca de 56%.
Segundo James Chih-Hsin Yang, professor e diretor do Instituto de Pós-Graduação em Oncologia da Universidade Nacional de Taiwan e principal autor do estudo, a expectativa é que os pacientes alcancem sobrevida de mais de 48 meses.
“Estamos muito felizes em apresentar esses dados que usam amivantamab, que é um anticorpo biespecífico especial contra a mutação do EGFR. Mudamos a sobrevida de dois anos para três anos, e agora provavelmente para mais de quatro anos”, disse Yang no Congresso Europeu de Câncer de Pulmão (ELCC, na sigla em inglês), que ocorre nesta semana em Paris.
Os dados foram considerados uma das principais novidades do evento. O estudo clínico foi realizado em 267 instituições de saúde e conta com a participação de 16 hospitais brasileiros.
A pesquisa mostrou também, porém, que pacientes tiveram efeitos colaterais mais graves do que aqueles que utilizam a outra terapia. Foram registradas condições como paroníquia (infecção da pele ao redor da unha), irritações cutâneas e dermatites acneiformes.
Os resultados fizeram com que os pesquisadores realizassem um estudo paralelo com formas de gerenciar as reações dermatológicas e indicaram o uso de antibiótico oral, antibiótico tópico para o couro cabeludo, antisséptico para mãos e pés e hidratante à base de ceramidas. O protocolo reduziu pela metade os eventos dermatológicos.
“Isso demonstrou que, se realizarmos medidas profiláticas mais próximas para pacientes recebendo amivantamab e lazertinib, podemos prolongar o uso desse regime. E isso é importante porque a sobrevida global mudou”, disse Yang.
Igor Morbeck, especialista em tumores torácicos da Oncoclínicas de Brasília e que não participou do estudo, afirma que o trabalho se destaca pelo aumento do tempo de vida global, que é o grande objetivo de médicos e pacientes. Afirma, porém, que o medicamento tradicional hoje no Brasil, o osimertinib, deve “talvez ser a primeira opção” devido aos fortes efeitos colaterais da combinação apresentada no estudo.
“O amivantamabe é um remédio tóxico para a pele, tóxico para a unha, e ele causa uma fadiga, um mal-estar muito grande para os pacientes. Isso tudo torna difícil essa combinação, e o osimertinib, pelo contrário, é um remédio muito bem tolerado.”
Já o oncologista Helano Freitas, vice-líder do Centro de Referência em Oncologia Torácica do A.C. Camargo, afirma que o estudo aumenta as possibilidades de tratamento para o paciente, uma vez que o médico pode escolher entre opções terapêuticas como o osimetinib, que tem bom desempenho e menos efeitos colaterais, e a associação de amivantamab e lazertinib, que aumenta a sobrevida, mas com reações adversas mais tóxicas.
“Porque quando você não tinha tratamentos eficazes, e os pacientes morriam com menos de um ano, qualquer coisa que fosse eficaz valeria a pena. Você correria atrás e seguraria a toxicidade. Na medida em que você tem mais opções, você pode fazer escolhas”, afirmou.
O medicamento recebeu aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o tratamento da mutação em janeiro deste ano, após a submissão de informações preliminares que foram consideradas suficientes para o benefício dos pacientes. A droga, porém, aguarda precificação da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) para ser disponibilizada ao consumidor.
Na época, a diminuição do risco de morte era de 20%. Com o avanço do estudo, que segue em andamento, o risco chegou ao anunciado no congresso (25%). A expectativa é que o índice caia ainda mais com o avanço das análises, uma vez que a combinação dos fármacos tem superado o tratamento anterior em diferentes frentes.
A redução do risco de morte, de forma prática, representa aumento no tempo de vida dos pacientes, segundo Deise Almeida, diretora médica de oncologia da Johnson & Johnson no Brasil.
“Estamos falando de uma mulher jovem, normalmente com filhos pequenos. Não que o câncer seja bom em alguma fase na vida, mas é uma fase que agrega mais sensibilidade”, diz ela.
A literatura médica indica que a mutação é mais comum em mulheres e pessoas não fumantes, além de asiáticos. Não está clara ainda a razão que leva a mutação ser mais frequente nesses grupos.
Uma metanálise publicada em 2015, que avaliou a incidência da doença em pacientes com adenocarcinoma de células não pequenas em todo o mundo, mostrou que a prevalência no Brasil é de aproximadamente 28%. O estudo, porém, apresenta ressalvas.
Segundo os pesquisadores, há poucos dados disponíveis sobre o país, e foram avaliados apenas três pequenos trabalhos que continham somente 239 pacientes.
Outra metanálise, publicada em 2021, que avaliou mais de 100 artigos científicos publicados em todo o mundo, mostrou que a prevalência da doença varia, sendo maior entre os asiáticos, com 49,2%. O estudo, que teve poucos dados relativos à América do Sul, afirma que a falta de testes moleculares, que identifica a mutação nos genes, pode ser a causa.
“Este baixo número de estudos da América Central e do Sul pode ser devido ao baixo nível de testes de mutação do EGFR nos países da América Latina, potencialmente como resultado da falta de acesso”. A pesquisa avaliou pacientes que possuem a doença nos estágios 3 e 4.