Cientista indígena e liderança do povo Wapichana, Sineia do Vale é refencia mundial nas discussões sobre o tema
Valéria Oliveira/g1
Enviada especial do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), a cientista indígena e liderança do povo Wapichana, Sineia do Vale, pretende atuar para que a demarcação de terras indígenas seja reconhecida globalmente como política climática. O encontro, que reúne líderes de várias nações, ocorre em novembro, em Belém, no Pará.
Referência nas discussões climáticas no país e no cenário internacional, Sineia do Vale também é co-presidente do Fórum Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (IIPFCC), o Caucus Indígena, onde trabalha para garantir a participação e os direitos dos povos indígenas nas negociações (veja abaixo mais sobre a trajetória de Sineia).
“O que se espera é que seja feita uma política de clima reconhecendo a demarcação das terras indígenas. Que eles [líderes dos países] reconheçam que demarcando as terras indígenas se trata é uma política de clima. A gente precisa que isso seja garantido para que os indígenas possam continuar fazendo seu papel [de proteção ambiental]”, destacou.
A defesa de Sineia pela demarcação de territórios indígenas está ligada à estabilidade climática proporcionada pelas florestas: áreas preservadas regulam a temperatura, conservam a biodiversidade e absorvem gases de efeito estufa, o que garante maior proteção ambiental.
Para se ter ideia, em três décadas, as terras indígenas perderam apenas 1% da floresta nativa, contra 20% em áreas privadas. Esses territórios armazenam 12 bilhões de toneladas de carbono, que ajudam a regular o clima e evitam a emissão anual de mais de 31 milhões de toneladas de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas.
Sineia frisou que a expectativa é que a demarcação de terras seja incluída oficialmente nas metas firmadas entre os países e a ONU durante a COP30, especialmente por ser a primeira vez que a conferência será realizada na Amazônia, onde o Brasil terá papel central no debate sobre financiamento climático. Essas metas são conhecidas como NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas).
“Que realmente possamos ter os recursos para as comunidades indígenas, pois, neste momento, estamos vivendo perdas e danos irreparáveis”, destacou, sobre o os recursos para financiamento climático global que estão em discussão em Belém.
Por que proteger territórios indígenas é importante para o equilíbrio do clima?
‘Transformações do tempo’
Sob a coordenação de Sineia, indígenas de Roraima elaboraram o “Plano de Adaptação Indígena”, que detalha como as comunidades percebem a crise climática a partir do conhecimento tradicional. O estudo, inédito no país, será levado à COP para orientar negociações internacionais sobre os povos indígenas.
O plano inclui as chamadas “transformações do tempo”, expressão que os indígenas usam para descrever a crise do clima. O documento detalha alterações nos padrões climáticos que têm afetado diretamente os modos de vida tradicionais – tudo com depoimentos e desenhos feitos pelos próprios indígenas.
“Plantas, canto de pássaros. Tudo isso é indicador [de alterações no clima] para os povos indígenas na sua vida cultural, nas plantações, nas criações”, frisou.
Como resultado do trabalho de Sineia e com o apoio do Ministério dos Povos Indígenas, uma comitiva de 28 indígenas de Roraima se prepara para participar da COP30. Os representantes, escolhidos em todas as regiões indígenas do estado, foram definidos durante o evento “Ciclo CoParente”, uma série de encontros preparatórios para a conferência que tem ocorrido em todo o país.
Todos os membros da comitiva serão credenciados e participarão da chamada Zona Azul (Blue Zone), espaço onde ocorrem as negociações oficiais da cúpula de líderes globais e de onde devem sair as decisões sobre as futuras políticas climáticas internacionais.
Em Roraima, o ciclo CoParente foi realizado no Lago do Caracaranã e teve a participação da ministra Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas.
Quem é Sineia do Vale
Sineia do Vale é gestora ambiental de formação e mestre em desenvolvimento sustentável junto aos povos tradicionais pela Universidade de Brasília (UnB). Ela participa da COP desde 2011. Junto com outras lideranças indígenas, promove a avaliação climática a partir do conhecimento ancestral.
Foi dela o primeiro estudo ambiental sobre as transformações do clima ao longo dos anos na vida dos povos tradicionais em Roraima. A publicação é considerada referência mundial quando se trata da emergência climática e povos tradicionais.
Em 2024, recebeu o prêmio de “Cientista Indígena do Brasil” pela atuação sobre crise climática. Ao receber o título das mãos de Carlos Nobre, destacou que quando se trata da crise climática, a ciência também precisa levar em conta a experiência de vida que os indígenas vivenciam no dia a dia – discurso que ela sempre defende nos debates sobre o assunto.
Há mais de 30 anos, Sineia do Vale integra o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e foi responsável pela criação do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental da instituição. O setor elabora planos para enfrentar a crise climática no estado, que afeta diretamente os modos de vida dos povos indígenas devido à imprevisibilidade do clima causada pelas mudanças climáticas.
Em 2021, Sineia foi a única brasileira a participar da Cúpula dos Líderes sobre o Clima. Ainda em 2024 recebeu o “Troféu Romy – Mulheres do Ano”, honraria concedida a mulheres que se destacaram em suas áreas de atuação em 2023.
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