BAURU, SP (FOLHAPRESS) – O prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), que foi alvo de ação da Polícia Federal nesta quinta-feira (10), é réu sob acusação de improbidade administrativa em duas ações na Justiça e teve os bens bloqueados em 2023 no âmbito de uma delas.
Ele também é investigado em um inquérito policial e um Procedimento Investigatório Criminal e conduz uma gestão cujas finanças têm sido objeto de alertas do Tribunal de Contas de São Paulo por problemas na gestão fiscal -documento que aponta situações desfavoráveis ou irregulares relacionadas à execução orçamentária dos governos municipais.
Os procedimentos na esfera criminal são conduzidos pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo e tramitam no Tribunal de Justiça de São Paulo em razão do foro por prerrogativa de função.
Um primeiro apura suspeita de favorecimento numa licitação milionária de semáforos. Um segundo investiga compra suspeita de kits de robótica, cujo valor, mais de R$ 20 milhões, a Procuradoria diz ter sido superfaturado. O mesmo caso é objeto de uma das ações por improbidade a que ele responde em primeira instância.
No episódio dos kits, o agora ex-secretário de Educação foi afastado. Também foram tomadas medidas constritivas sobre bens dos envolvidos. O bloqueio atingiu contas bancárias do prefeito, que perdeu R$ 140 mil num único dia. A cifra equivale a quase cinco salários de Manga, de R$ 29 mil.
A licitação, que a denúncia na esfera cível diz ser “nitidamente irregular”, também é questionada. A Promotoria local vê dispositivos que apontam para o direcionamento do certame à empresa Carthago Editorial, também ré na ação.
A reportagem procurou a Prefeitura de Sorocaba nesta quinta, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. A Carthago Editorial foi procurada por email, mas não respondeu. Por telefone, a ligação não foi completada.
Um relatório da Promotoria de 2023 mostra que 8 dos 11 participantes do certame tinham de nenhum a três funcionários. Uma das interessadas, sem nenhum colaborador, era mantida por sociedade entre dois idosos de 93 anos.
Já a vencedora, Carthago Editorial, não tem nenhum colaborador no quadro e recebeu R$ 101,9 milhões de prefeituras entre abril de 2014 e abril de 2023.
Outra ação contra Manga envolve caso semelhante. Ajuizada em 2022, quando o inquérito sobre a compra dos kits de robótica já estava aberto, a denúncia barrou a compra de outros materiais didáticos num pregão do qual participaram duas empresas com ligações entre si -uma das quais administrada por uma mulher que já chegou a ser presa por suspeita de fraude a licitação em outro caso.
A operação deflagrada nesta quinta contra Manga, conhecido nacionalmente por uma estratégia de exposição nas redes sociais -o que lhe deu a alcunha de “prefeito tiktoker”-, apura a existência de uma organização criminosa suspeita de desviar recursos da saúde.
Este não é o único revés do prefeito na área da saúde. A PF já fez buscas no âmbito de um inquérito que apura irregularidades em outra OS (organização social) que prestava serviços em Sorocaba -o Incs (Instituto Nacional de Ciências da Saúde)-, contratada em 2022 para gerenciar uma UPA da cidade.
Manga, que foi reeleito no ano passado, rompeu com a OS no final de 2023, logo após a primeira fase da operação, mas outro mandado foi cumprido em dezembro de 2024. O contrato de R$ 60 milhões entre a prefeitura e a entidade foi rejeitado pelo TCE em decisão que critica critérios subjetivos do chamamento público vencido pela organização.
A reportagem também procurou a OS Incs. Os emails retornaram ao remetente, e o número de telefone disponível em fichas cadastrais consta como incorreto. O site da entidade está fora do ar.
O prefeito também enfrenta problemas relacionados ao orçamento da prefeitura.
O exercício de 2024 fechou com R$ 94 milhões em déficit -prejuízo que só foi revertido porque a administração usou mais da metade da reserva de R$ 161 milhões para cobrir o rombo.
Já a dívida consolidada da gestão somava R$ 528.579.865,90 em janeiro do ano passado. Em dezembro, o valor passou para R$ 726.066.785,82 -principalmente por compromissos contratuais assumidos ao longo de 2024, ano eleitoral.
A cifra acende o alerta para a gestão fiscal e orçamentária de 2025, diz Reinaldo Cafeo, especialista em engenharia econômica e professor de economia da ITE (Instituição Toledo de Ensino), de Bauru, que analisou os resultados financeiros de Sorocaba a pedido da reportagem.
“A execução orçamentária deve permitir o planejamento mês a mês, linha a linha. Aí você enxerga como está a alocação de recursos para eventualmente segurar investimentos, adiar algumas decisões que impactam financeiramente”, explica.
O aumento nas despesas, diz Cafeo, não se refletiu em eficiência. O chamado índice de efetividade da gestão municipal (IEG-M), do TCE-SP, mostra que Sorocaba recebeu a nota C em planejamento e C+ em gestão fiscal, a primeira e segunda mais baixas respectivamente.
“Isto é: não obstante todo marketing que ele [Manga] faz, o município não está na vanguarda das melhores notas de eficiência na gestão”, diz o professor.
O prejuízo de 2024 destoa do superavitário exercício de 2023. O resultado, porém, é contestado pelo MPC (Ministério Público de Contas), que pediu ao TCE a rejeição das contas de Sorocaba daquele ano.
A manifestação do MPC, a que a reportagem teve acesso, diz que a gestão usou manobras orçamentárias para suplementar o orçamento de 2023 com resultados positivos de anos anteriores sem que isso fosse contabilizado no resultado final.
“A administração desfigurou os valores inicialmente considerados e transformou o orçamento em mera peça de ficção, incorrendo num tema há muito superado por este Tribunal”, afirma trecho do parecer. O TCE ainda não julgou o balanço daquele exercício.
Reeleito em primeiro turno com 73,75% dos votos válidos, o segundo maior percentual da história da cidade, Manga havia sido também o vereador mais votado da história em Sorocaba.
Chegou à Câmara pela primeira vez em 2012 pelo PP. Depois, em 2016, foi reeleito pelo DEM (hoje União Brasil) com 11,4 mil votos, maior votação da história até então. Nesse período foi também presidente da Câmara e conduziu a sessão que cassou o então prefeito José Crespo, na época seu correligionário.