Incerteza sobre as diferenças na coalizão rebelde do HTS suscita riscos de que país mergulhe no caos, a exemplo de vizinhos que protagonizaram a Primavera Árabe. Abu Mohammed al-Golani, líder das forças rebeldes que derrubaram o ditador Bashar al-Assad na Síria.
Media Branch of Syrian Rebel Operations Room/via Reuters
Em apenas 11 dias a dinastia Assad desmoronou, após ter comandado a Síria, pela força, por mais de meio século. Ao mesmo tempo em que a queda do regime autocrático de Bashar al-Assad, que herdou o cargo do pai, Hafez, é celebrada por milhares de sírios, o país enfrenta incerteza e prognóstico de um futuro instável.
Os rebeldes do grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (Organização para a Libertação do Levante ou HTS na sigla local) têm o DNA da al-Qaeda e antecedentes violentos. Rotulada como terrorista por EUA, Rússia e ONU, a organização lidera um naipe de facções menores, que inclui o Exército Livre da Síria, apoiado pela Turquia.
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O HTS tentou suavizar sua imagem sectária, mas a nova marca, mais pragmática, apresentada pelo comandante Abu Mohammad al-Jolani, suscita mais suspeitas do que confiança. Seu rápido triunfo decorre de uma conjunção de fatores externos e internos.
A guerra civil de uma década na Síria estava estagnada há quatro anos, período em que HTS pôde reagrupar-se militarmente na região montanhosa de Idlib. O ditador Assad, por sua vez, perdeu seus pilares de sustentação — Rússia, Hezbollah e Irã —, concentrados em outras guerras, contra Ucrânia e Israel.
Sem o apoio dos parceiros externos, que o ajudaram a estancar, a partir de 2015, a ação dos grupos rebeldes, e com um Exército enfraquecido e com o moral baixo, o regime Assad sucumbiu com velocidade surpreendente.
Cortes de salários e subsídios puseram os militares diante das mesmas dificuldades enfrentadas pela maioria da população. Soldados desertaram e, para isso, ganharam incentivos de proteção do HTS. O regime, por fim, ruiu sem grandes confrontos à ofensiva opositora em quatro das cinco maiores cidades, refletindo a sua própria fraqueza.
Turquia emerge como vitoriosa; Irã e Rússia, como derrotados
O fim da dinastia Assad impõe uma nova configuração ao tabuleiro político do Oriente Médio. Nesse contexto, a Turquia emerge como vitoriosa, e o Irã e a Rússia, como derrotados. Vladimir Putin perdeu, sem dúvida, influência na região.
Quanto a Israel, que aprendeu, ao longo dos anos, a “conviver” com o regime sírio, terá que lidar agora com um inimigo desconhecido e com raízes jihadistas. O reforço das fronteiras de países vizinhos indica o temor sobre a incerteza que está por vir.
O risco principal da Síria “livre de Assad”, conforme proclamaram os rebeldes ao tomarem Damasco nesta madrugada, é o mergulho profundo no caos.
Testemunhamos este cenário em países que protagonizaram a Primavera Árabe, na década passada. O Egito trocou a ditadura Mubarak por um severo regime militar. Doze anos após derrubar o regime de Muammar Gaddafi, a Líbia se mantém como um Estado falido. A coalizão multifacetada do HTS terá como desafio administrar as suas próprias diferenças para se sustentar no poder.