Críticas do republicano contra o presidente do banco central dos EUA escalaram nos últimos dias. Trump chegou a colocar em xeque a permanência de Powell no cargo — apesar de o Fed ser independente e o presidente do país não ter poder para tirá-lo da função. Foto de arquivo: O presidente dos EUA, Donald Trump, observa Jerome Powell, seu indicado para presidir o Federal Reserve (Fed), durante discurso na Casa Branca, em Washington, EUA, em 2 de novembro de 2017.
REUTERS/Carlos Barria/Foto de arquivo
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta terça-feira (22) que não tem planos de demitir o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Jerome Powell. O republicano reforçou, no entanto, que gostaria que as taxas de juros fossem mais baixas.
“Não tenho intenção de demiti-lo”, disse Trump a repórteres no Salão Oval. “Gostaria de vê-lo um pouco mais ativo no que diz respeito à ideia de reduzir as taxas de juros”, acrescentou.
A declaração veio após dias de pressão e críticas de Trump contra Powell. Na última quinta-feira (17), o republicano chegou a ameaçar a permanência do banqueiro central no cargo — mesmo sem ter poder para demiti-lo. Trump disse que, caso peça para o chefe do BC deixar a função, ele irá deixar.
Na ocasião, o republicano também afirmou que não está satisfeito com Powell e que o banqueiro central tem sido “tardio” em tomar medidas. Para Trump, o presidente do BC deveria promover novos cortes de juros — o que ele acredita que irá acontecer “em algum momento”.
As taxas de juros nos EUA estão, atualmente, entre 4,25% e 4,50% ao ano — um patamar alto para os padrões do país — e Trump já criticou essa política monetária em diversas ocasiões, desejando o corte dos juros.
🔎 Isso porque juros altos são uma ferramenta para controlar a inflação, já que encarecem a tomada de crédito pela população e pelas empresas, impactando os níveis de consumo e investimentos da economia e reduzindo a pressão sobre os preços.
⚠️ No entanto, com menor consumo, a atividade econômica tende a desacelerar, afetando o crescimento da economia.
O Fed é uma instituição independente, e o governo não pode interferir nas decisões sobre os juros. É justamente essa independência que impossibilita o uso das taxas para aquecer a economia em um momento de inflação acelerada.
Além disso, a legislação norte-americana não permite que o presidente do país demita o chefe do BC. A exoneração do banqueiro central do cargo só pode ocorrer “por justa causa”.
O analista de investimentos Vitor Miziara explica que “é muito importante o Fed ser independente” porque é a instituição responsável “por olhar para a economia de um jeito técnico”.
“É importante para que a instituição não tome decisões com base no populismo, mas sim tentando assegurar uma economia saudável no médio e longo prazo, e não apenas no curto prazo para beneficiar o presidente da vez”, diz.
A diminuição das tensões resultou em uma resposta positiva imediata em Wall Street, com os futuros dos índices de ações dos EUA subindo quase 2% na noite desta terça. Na véspera, tanto ações quanto títulos e dólar haviam caído diante da ofensiva de Trump contra Powell.
Trump chama presidente do BC americano de ‘atrasado e errado’
Tarifas sobre produtos chineses
Durante a conversa com repórteres no Salão Oval nesta terça, Trump também expressou otimismo em relação a um acordo comercial com a China.
O republicano afirmou que um entendimento com o gigante asiático poderia “reduzir substancialmente” as tarifas aplicadas sobre os produtos chineses importados pelos EUA. Segundo cálculos da Casa Branca, as taxas totais contra o país já chegam a 245%.
Trump disse também que um acordo com a China resultaria em tarifas “substancialmente” mais baixas, sugerindo que o acordo final não ficará “nem perto” das taxas atuais. Ele acrescentou, no entanto, que “não será zero”.
Tarifaço de Trump gera cautela
Powell, assim como a maioria dos especialistas e investidores do mercado financeiro, acredita que a política tarifária de Trump pode elevar a inflação e provocar uma recessão econômica.
Tarifas maiores sobre insumos e produtos que chegam ao país encarecem os processos de diversas cadeias produtivas, e os preços tendem a ser repassados ao consumidor final, gerando mais inflação.
A inflação alta diminui o poder de compra da população, que pode consumir menos, provocando a desaceleração da atividade econômica.
Em discurso no dia 16 de abril, Powell disse que “apesar da maior incerteza e dos riscos de baixa, a economia dos EUA ainda está em uma posição sólida”. Ponderou, no entanto, que “os dados disponíveis até agora sugerem que o crescimento desacelerou no primeiro trimestre em relação ao ritmo sólido do ano passado.”
Powell também indicou que, diante das incertezas com as tarifas de Trump, o Fed poderá manter a taxa básica de juros estável na próxima reunião (nos dias 6 e 7 de maio), enquanto aguarda “maior clareza antes de considerar quaisquer ajustes”.
“O Fed está esperando para ver como as coisas vão se desenrolar antes de tomar qualquer tipo de medida em relação às taxas [de juros]”, declarou Powell.
“Vamos ver se a inflação será temporária ou um evento pontual, para observar por quanto tempo essas tarifas vão durar e se haverá ou não algum tipo de mudança nelas”, acrescentou.
A visão de Trump é diferente. Sem mostrar dados, o presidente insistiu, em publicação nas redes sociais, que a inflação está recuando nos EUA, enquanto o país está ficando “rico com as tarifas”.
Veja o que disse Trump
“Espera-se que o Banco Central Europeu (BCE) corte suas taxas de juros pela sétima vez, e, no entanto, o ‘atrasado’ do Jerome Powell, do Fed, que sempre chega ‘TARDE DEMAIS E ERRADO’, divulgou ontem um relatório que foi mais uma típica ‘bagunça’ completa! Os preços do petróleo caíram, os (preços dos) alimentos (até os ovos!) caíram, e os EUA estão ficando RICO EM TARIFAS. O atrasado deveria ter reduzido as taxas de juros, como o BCE, há muito tempo, mas certamente deveria reduzi-las agora. O fim do mandato de Powell não chega rápido o suficiente!”
Trump fala sobre Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, na plataforma Truth Social
Reprodução/Truth Social
No Brasil, Lula também já criticou comando do BC
As críticas aos presidentes de bancos centrais independentes não são exclusivas do governo Trump nos EUA.
No Brasil, recentemente, aconteceu algo semelhante. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou, desde o início do seu terceiro mandato em 2023, a forma como o então presidente do Banco Central do Brasil (BC), Roberto Campos Neto, conduzia a política monetária.
As críticas só terminaram no fim de 2024, quando o mandato de Campos Neto acabou. A partir de 2025, Gabriel Galípolo, indicado pelo governo, assumiu o comando da instituição.
Lula não concordava com o patamar da Selic, taxa básica de juros, que estava em 13,75% ao ano no início do terceiro mandato, pois os juros altos atrapalham o aumento do consumo no país.
Os juros estavam elevados desde a crise que fez a inflação disparar no mundo inteiro, após o impacto da pandemia de Covid-19.
Em diversos episódios de críticas públicas, Lula chamou Campos Neto de “adversário político ideológico” e disse que ele “trabalha para prejudicar o país”. Campos Neto foi indicado por Jair Bolsonaro antes de Lula assumir.
Sob o comando de Campos Neto, o BC iniciou um ciclo de redução dos juros em agosto de 2023, que se estendeu até setembro de 2024, quando a taxa Selic voltou a subir devido à inflação elevada.
Os juros continuam em alta no Brasil e, em sua última reunião, já sob o comando de Galípolo, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC promoveu uma alta de 1 ponto percentual na taxa Selic, levando-a ao patamar de 14,25% ao ano, com novas perspectivas de alta.
Mesmo com Galípolo à frente do BC, parte da base do governo ainda critica a condução da política monetária.
Em janeiro, na primeira decisão sob o comando novo presidente, que também terminou com alta dos juros, Lula defendeu e disse que Galípolo não podia “dar um cavalo de pau” porque essa alta nos juros já estava “praticamente demarcada”.
*Com informações da agência de notícias Reuters.