Imagens revelam parte do processo feito por comunitários e pesquisadores do Instituto Mamirauá, após uma árvore tombar durante um temporal em outubro do ano passado. Vídeos inéditos mostram retirada de urnas milenares encontradas após queda de árvore no Am
Vídeos inéditos obtidos pelo g1 mostram o momento em que arqueólogos retiram sete urnas funerárias milenares encontradas após a queda de uma árvore no município de Fonte Boa, no interior do Amazonas. As imagens revelam parte do processo feito por comunitários e pesquisadores do Instituto Mamirauá após a descoberta dos artefatos arqueológicos. Veja o vídeo acima.
⚱️ Segundo os pesquisadores, as urnas trazem novas pistas sobre os modos de vida e rituais funerários milenares que aconteciam nas áreas de várzea da Amazônia. Dentro dos artefatos foram encontrados fragmentos de ossos humanos, além de restos de peixes e quelônios, indicando que os sepultamentos estavam associados a práticas alimentares e rituais.
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A descoberta foi feita por moradores da comunidade São Lázaro do Arumadubina, durante uma contagem anual de pirarucu, dentro de um acordo de pesca manejada, em outubro do ano passado. Ao notarem a queda da árvore e o aparecimento de grandes vasos de cerâmica sob as raízes, eles se mobilizaram junto a um padre e pesquisadores do instituto.
“Quando vi as fotos, procurei o padre Joaquim, que encaminhou ao arqueólogo Márcio Amaral. A partir daí, começamos a planejar a ida ao sítio”, contou o comunitário Walfredo Cerqueira.
Em janeiro deste ano, uma expedição para o salvamento arqueológico das peças, que é um procedimento exigido por lei em casos como esse, foi realizada com ajuda dos moradores.
“A queda da árvore revelou esses contextos de sepultamento que ocorreram lá, no lado do Lago do Cochila, e acabou revelando também um sítio arqueológico. Essas pessoas sempre souberam dessa ilha, que existe na área de várzea e que não afunda, mas até então elas não associavam com um local de antiga aldeia”, explicou o arqueólogo do Instituto Mamirauá Márcio Amaral.
Segundo ele, a expedição precisou de uma logística diferente, tanto pelas condições de acesso quanto pelas características da escavação. As urnas estavam posicionadas em um ângulo de 90 graus, junto às raízes da árvore caída, o que exigiu técnicas adaptadas de escavação vertical.
“Geralmente escavamos na horizontal ou vertical, mas nesse caso as urnas estavam em uma inclinação vertical. Desenvolvemos toda uma metodologia de campo e contamos com apoio direto dos comunitários, que participaram de todas as etapas”, detalhou Amaral.
A pesquisadora Geórge Layla Holanda explicou que a escavação foi realizada com uma estrutura suspensa a 3,20 metros do solo, montada com madeira e cipós pela própria comunidade.
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Escavação suspensa foi um marco logístico e técnico.
Instituto Mamirauá
Sítio arqueológico
Além do contexto funerário, o local revelou algo ainda maior, afirmou Márcio Amaral: um extenso sítio arqueológico sobre uma ilha artificial construída por povos indígenas da região. Para ele, a descoberta reforça o entendimento de que populações tradicionais desenvolveram sofisticadas técnicas de ocupação da várzea, criando estruturas que resistiam às cheias do rio, permitindo habitação permanente independente do nível da água.
“Essas ilhas artificiais são estruturas arqueológicas levantadas em áreas de várzea mais altas, com material removido de outras partes e misturado com fragmentos cerâmicos, intencionalmente posicionados para dar sustentação”, explicou o arqueólogo.
Ainda de acordo com Amaral, esse tipo de estrutura já foi mapeada em cerca de 70 pontos do Médio e Alto Solimões, regiões que ficam localizadas no principal afluente do Rio Amazonas. No entanto, as urnas encontradas em Fonte Boa surpreenderam pelo tamanho.
“Essas urnas são de grandes proporções e nós ainda não havíamos registrado vasos dessas dimensões nesse tipo de sítio. Isso traz novas informações sobre o tratamento dado aos mortos e se soma a uma série de evidências que indicam um padrão de vida bem estruturado nessas áreas de várzea”, afirmou o arqueólogo.
Destino
Após um mês de escavações, o material foi transportado até o município de Tefé, no Amazonas, onde está temporariamente armazenado no laboratório do Instituto Mamirauá. Na época, o porto fluvial de Fonte Boa estava danificado, o que, segundo Márcio Amaral, exigiu uma operação cuidadosa, com transporte das urnas de canoa para barco e, em seguida, até o laboratório.
“Não digo intacto por sorte, mas por método. Usamos filme plástico, depois atadura gessada para estabilizar, depois plástico bolha e, por fim, suporte de madeira com cordas”, completou Geórgea.
Agora, a próxima fase é a de curadoria, que pode levar anos. “Esse trabalho é lento e requer financiamento que a gente ainda precisa conseguir. Por exemplo, outro conjunto de urnas encontrado em Tauari, no Lago Tefé, levou cerca de cinco anos entre escavação, análise e restauração”, explicou Amaral.
O material passa por análises do sedimento, ossos humanos e fragmentos cerâmicos, podendo originar pesquisas de graduação, mestrado e doutorado.
No caso das sete urnas, as análises iniciais apontaram que o material cerâmico pode representar uma tradição milenar até então desconhecida, com o uso de argila esverdeada e decoração com faixas vermelhas.
Para o pesquisador, a importância do achado vai além do aspecto material.
“É o legado dos nossos ancestrais. O processo científico é lento porque busca respostas sobre essas populações e o que elas nos deixaram, por exemplo, a floresta amazônica” concluiu.
Urnas milenares são encontradas no Amazonas e revelam rituais de povos indígenas.
Instituto Mamirauá
Participação comunitária foi essencial para as escavações.
Instituto Mamirauá
Urnas funerárias milenares e ossos humanos são encontrados em ilha artificial