Sucesso de bilheteria, o filme ‘Ainda estou aqui’ tem gerado reflexão sobre os desafios enfrentados por cineastas, artistas e jornalistas na época da ditadura militar, cujos materiais eram constantemente vigiados, censurados e muitas vezes destruídos. ‘Ainda Estou Aqui’ já foi assistido por mais de um milhão de pessoas
Em meio ao sucesso de bilheteria do filme ‘Ainda estou aqui’, de Walter Salles, as discussões sobre o período da ditadura militar no Brasil tem se intensificado e gerado reflexão sobre os desafios enfrentados por cineastas, artistas e jornalistas da época, cujos materiais eram constantemente vigiados, censurados e até destruídos. Em Cuiabá, o g1 conversou com o historiador e diretor do Cineclube Coxiponés em 1970, Clóvis Matos, que contou dos desafios da época.
“Pra mim, o que tem de pior em uma ditadura, é fazer a gente calar a boca. Quem viveu esses momentos, não quer voltar pra isso nunca mais”, disse.
A obra que levantou a discussão sobre a ditadura já foi assistida por mais de um milhão de pessoas em menos de duas semanas de exibição no país.
Em entrevista, Clóvis explicou que, devido à vigilância dos militares na década de 1970, foi preciso buscar apoio de embaixadas para conseguir exibir títulos de outros países no cinema matro-grossense.
Para Clóvis, o Cineclube Coxiponés é uma fonte de transporte de cultura e conhecimento
Victória Oliveira/g1
Segundo ele, na época, diversos filmes e cartazes desapareciam antes mesmo de chegarem ao aeroporto. Além disso, as mostras eram programadas com um ano de antecedência, porque era o tempo que os filmes levavam para chegar. A estratégia envolvia rotas alternativas, passando pelo México e pelo Panamá, até chegar em Cuiabá. Chegando na cidade, era preciso retirar os filmes na Polícia Federal.
O ex-diretor contou que foi preciso ‘brigar muito’ para conseguir os certificados que permitiam a exibição de certas obras, fossem elas internacionais ou brasileiras.
“Se fosse preciso faria tudo de novo, a gente enfrentava tudo pela arte. Eu acredito que o setor artístico foi o que mais sofreu durante a ditadura”, ressaltou.
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Projetor antigo utilizado no cineclube
Victória Oliveira/g1
De acordo com o ex-diretor, o regime militar utilizava práticas de intimidação contra movimentos sociais e culturais, o que resultava em medo e insegurança entre os cineclubistas, que muitas vezes precisavam se esconder ou contornar as leis para continuar as atividades.
📃 Lei de Imprensa
Jornalistas protestam contra a Lei de Imprensa no Teatro Paramount, em São Paulo.
Reprodução/Memorial da Democracia
Em fevereiro de 1967 foi sancionada a Lei 5.250, também conhecida como “Lei de Imprensa”. A norma, assinada por Humberto Castelo Branco, primeiro presidente na ditadura militar, “regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação”.
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“Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem”, diz o texto.
A lei considerava criminosa, com imposição de pena de detenção:
A publicação de propaganda de “subversão da ordem política e social”.
Publicações que “atentem contra a moral e os bons costumes”.
Segundo o doutor em história e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Vitale Joanoni Neto, a censura era rigorosa em todos os circuitos de arte, no entanto, os cineclubes eram espaços mais alternativos e por isso sofriam mais com a supervisão.
“Certos filmes eram exibidos em sessão única, depois a censura vinha e proibia. Qualquer manifestação que contrariasse as regras ditatoriais, era caçada”, explicou.
🎬O filme
‘Ainda Estou Aqui’, de Walter Salles, concorre ao Leão de Ouro em Veneza.
Divulgação
O filme ‘Ainda estou aqui’, dirigido por Walter Salles, conta a história da família Paiva. Na obra, o público conhece Rubens Beyrodt Paiva (Selton Mello), deputado federal cassado pelos militares, que foi torturado e morto em um quartel do Exército.
No vazio deixado pelo pai, a história que o filme conta é a da mãe, Eunice Paiva, mulher de Rubens. Uma mulher que, de repente, se vê sozinha com cinco filhos.
Eunice (interpretada por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro), estudou Direito e se reinventou como uma das mais importantes ativistas dos Direitos Humanos no Brasil depois do assassinato de seu marido. Marcelo Rubens Paiva, filho do casal, contou em livro a história que Walter reconta no filme.
Em setembro deste ano, o filme ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza. No Brasil, a obra estreou no dia 7 de novembro e, em seu primeiro fim de semana, chegou a ficar no topo da bilheteria nacional.
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